Dizem que num dia nublado ele deu adeus e desapareceu

Há alguns anos ele comprou uma casa situada cerca de dois quilômetros do pequeno centro de uma cidadezinha com 495 habitantes, onde havia apenas uma igreja, um hospital, uma escola, um curso de inglês, uma sorveteria e um hotel. E a cidade era tão pequena que o único hospital sequer tinha maternidade, de modo que as mães eram levadas às pressas para a cidade vizinha e nenhum bebê nascia mais ali.

Como é natural em cidades pequenas, quando ele se mudou, desataram a falar sobre sua vida. Contam que era um escritor. Escreveu nove livros de ficção científica que fizeram um relativo sucesso, viajou, deu autógrafos, escreveu artigos para revistas especializadas e foi entrevistado em programas de televisão. Desde os dezesseis anos escrevia sobre viagens intertemporais, interplanetárias, interespaciais, interqualquer coisa que se possa imaginar. Fazia parte de associações literárias e científicas e participava de conferências sobre novos planetas, novos sistemas e novas tecnologias.

Dizem que ele só tinha livros e cadernos, além de um notebook, um colchão e um conjunto de mesa e cadeiras. Ao que parece era tudo que ele precisava.

Também dizem que nunca se casou. Que tinha uma paixão de infância, mas que ela, apesar de muito sua amiga, casou-se com outro e teve dois filhos. Um estado de coisas inimaginável que ele encarava como uma persistente repreensão da natureza. E a razão pela qual, segundo quase todos, ele havia se mudado para bem longe dela.

Dizem que ele era uma criatura especial porque ousado, original, insuperavelmente extraordinário. Contam que dormia num colchão duro, tinha um carro velho, saía para fazer compras apenas uma vez por mês, falava pouco, fumava muito, brincava nunca, não tinha cachorro, nem gato, nem passarinho e pedia desculpas com uma voz baixa quando esbarrava em alguém. Mas apesar dessa sua insuperável singularidade, quando percebeu que nunca mais a veria, ele deixou de chorar, e depois disso, cancelou sua linha telefônica, não enviou mais e-mails, sentiu que ia perdendo sua voz, pouco a pouco, à medida que deixava todos sem resposta. Sentia que quanto mais tentava esquecê-la, mais era ele próprio esquecido.

E foi num dia nada singular, muito parecido com qualquer outro, meio nublado, meio entristecido, nem frio, nem quente, meio mais ou menos, assim como sua vida naquele instante, que ele se deu conta de que estava desaparecendo do mundo. Quanto menos escrevia, mais suas mãos se dissipavam. Quanto menos pensava nela, mais seu peito se consumia e se desvanecia.

Depois nunca mais o viram. Dizem que ele saiu pelo mundo, talvez para um lugar mais distante ainda, onde pudesse ser totalmente esquecido e desaparecer anonimamente. Outros dizem que ele foi procurar por ela, antes de desaparecer por completo. Mas a única certeza que eles têm é que um menino realmente o viu indo embora, levando uma pequena mala preta. E também disse que ele lhe deu adeus, levantando a mão direita, tão magra e diáfana que era quase transparente, e através da qual o menino pôde ver, luzindo, uma breve lágrima traindo seus olhos que se achavam secos para sempre.
Texto de Dani Gouveia publicado originalmente no blog Caneta, Lente e Pincel e inspirado na HQ abaixo.

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