Coração Gordo



CORAÇÃO GORDO
Multiplicidade Gráfica

Fabiano Gummo é um artista que flutua entre mídias e sentidos. Sua diversidade técnica se expressa no desenho, no vídeo, na animação, na pintura e em intervenções sonoras. Os trabalhos da exposição “Coração Gordo” na Galeria de Arte Loíde Schwambach da FUNDARTE assinala seu desejo de explorar a diversidade excessiva e flutuante de signos e significados das imagens que saturam nosso dia-a-dia.  Ele tece técnicas variadas com forte base no desenho expressivo e na linguagem da HQ. As grafias de Gummo são realizadas em suportes diversos – antigos papéis de impressora matricial, papel fino de luxo, canson ou outros tipos, papel offset ordinário, folha de caderno, folhas milimetradas, bloco de notas, post it's, desde 3x3cm até formatos A2. Segundo Gummo “tudo que estiver ao alcance da mão e tudo que possa ser uma superfície... mas basicamente: papel”.  Assim como, canetas e tintas das mais diferentes qualidades. O artista também participa do coletivo TEC (Tentacle Ensemble Collective) – um nome que pode indicar um de seus objetivos como artista – de trabalhar com todos os meios disponíveis - visual, verbal e sonoro – mas de modo animalesco, por via de tentáculos, isto é, estendendo os limites de seu alcance para se meter um pouco em tudo que tem a ver com os meios de incitar, narrar e lembrar. O híbrido e o mundo mix são outros termos aplicáveis a sua produção. As imagens de Fabiano Gummo parecem querer explorar possibilidades gráficas do mundo em sua multiplicidade ao invés de tentar analisar e fixar as formas da realidade em categorias entendíveis e mastigáveis. Quando vimos os desenhos de Fabiano Gummo, fomos remetidas à história em quadrinho, não à estética do mangá que influencia fortemente o desenho dos jovens brasileiros, mas às estéticas singulares, conflitantes e ambíguas de sentidos irresolvidos e traços inebriantes.  Além das apropriações estilísticas da HQ, há também múltiplas referências a outras linguagens gráficas como, por exemplo, equações matemáticas e desenhos geométricos [duas figuras conversam através de balões do tipo HQ. Mas a significação desta conversa é aberta, pois, ele mistura signos gráficos de todo tipo: letras, números, pontuações, espirais e outras marcas que não fazem muito sentido ou que, potencialmente, fazem muitos sentidos ao mesmo tempo]. Visualmente, percebemos as referências às garatujas infantis com um gosto pela L’Art Brut. Em outro momento, o lirismo gestual e gráfico de Cy Twombly. Uma Certa crueza espessa o traço e nos leva ao Expressionismo moderno e ao grotesco das deformações figurativas em Egon Schiele – mas sem romantismos, sem piedades. Ele mistura arte erudita ou high art com outras da cultura pop, da contracultura e da subcultura. Poderíamos considerar que as justaposições inusitadas de figuras criam relações significantes e absurdas, remanescentes da fotomontagem dadaísta [de repente, um bode, um chapéu e o et cetera banal do cotidiano povoam as partes cheias do papel, enquanto, em outras partes da folha, os vãos sem marcas deixam a superfície respirar a ausência de imagem]. A combinação de imagens que atravessa os desenhos de Fabiano Gummo também nos leva a pensar na Arte Pop Britânica mais quente e nada puritânica de Allen Jones. Há algo de baixo calão das histórias em quadrinho de Robert Crumb. Fabiano Gummo utiliza o termo lowbrow, que significa literalmente “baixo calão”, e implica o não-erudito, o ocasionalmente perverso, o monstruoso, o absurdo e o irônico. Ao vasculhar as imagens do artista, sentimos um espírito de nossa época embriagado por tantos outros, sentidos não-fixos, em fluxo, reinventados livremente. Permear sua produção é uma oportunidade de acordar a vida e seus acasos como pregava John Cage e/ou participar da experiência de um desvio, como propuseram os artistas situacionistas. Também, poderíamos afirmar que, diante da produção de Fabiano Gummo espessamos a definição da palavra desenho.

Curadoria: Alice Monsell e Duda Gonçalves
Artistas plásticas, professoras do Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas – UFPel, doutoras em poéticas visuais PPGAVI/UFRGS.  Membros dos Grupos de Pesquisa “Percursos Poéticos: procedimentos e grafias na contemporaneidade ( CNPq/UFPel) e Veículos da Arte ( CNPq/UFRGS) .